terça-feira, 16 de junho de 2015


                                            “A nova lenda do beija-flor”


   Lembram da estória do beija-flor? Que diante do incêndio da floresta, começa a pegar de gota em gota, certa quantidade de água num rio, na tentativa de apagar o fogaréu; e sai propagando para os outros animais: “Eu estou fazendo a minha parte”?
   Bem, eu prefiro contar ela toda, sem os desfalques que o tempo e as gerações de contadores proporcionaram, pois o final da versão que todos conhecem não retrata o que de fato ocorreu, vamos então para a lenda universitária do beija-flor.
   Em uma floresta da mata atlântica brasileira muitos animais faziam todo dia a mesma coisa, com exceção de três: uma coruja, “o beija-flor” e um bicho-preguiça (que chamaremos a partir deste momento diretamente de preguiça). A coruja diferente de todos os outros animais resolveu pensar qual era o papel dela naquela mata e acabou esclerosada; o beija-flor, que se dizia rebelde, queria ser politicamente correto e todos já sabem o glamour que desfrutou e a preguiça cujo final veremos daqui a pouco não fazia quase nada da vida e sonhava em continuar assim pelas próximas décadas.
   Em mais um dia de verão, um grupo de fazendeiros da região do Roncador passou na floresta, mais precisamente na região da nascente do rio Ranranran, e começaram a arrancar as arvores que ali estavam plantadas, tocaram fogo em alguns gravetos no início da noite, para gerar luz e calor, gerando um tremendo incêndio. Queriam tomar banho em águas quentes e certamente conseguiram.
   Já sem controle, o fogo foi se espalhando muito rápido atingindo quilômetros de mata nativa.
   Quando o fogo aumentou e dominou toda a paisagem da floresta a Coruja disse:
   - Vou ficar aqui e morrer queimada, pelo menos é a minha escolha, a floresta vai virar fogo, o fogo vai virar floresta, já estou esclerosada mesmo, então vou virar fogo também, o fogo vai virar coruja, a coruja vai virar fogo.
   O beija-flor, todo mundo já sabe, rapidamente se atirou no rio pegando gotas de água e voltando para jogar as gotinhas no fogaréu, repetindo sua frase estimulante para todos os animais que fugiam desordenadamente.
   A preguiça que tentava vagarosamente escapar do fogo, ouviu aquela frase do beija-flor e se comoveu. Parou de fugir do fogo e voltou na direção do rio para também tentar ajudar a apagar o incêndio.
   No meio do incêndio – o que ninguém nunca ouviu falar, inclusive eu,– o beija-flor começou a cansar (a uma altura dessas a sua frase bonitona já circulava o mundo: eu faço a minha parte!), o pobrezinho começou a respirar ofegante, cansou, cansou, avistou uma caverna e usou seus últimos esforços para pousar em seu interior; onde pretendia passar o resto da noite, protegido naquele refúgio natural, sobrevivendo a todo aquele fogo.       Resumindo, só pegou mesmo duas gotinhas de água.
   A preguiça que ainda estava chegando ao rio viu aquele descaso e se assustou, mas aí não havia mais tempo para fugir e por capricho do destino uma árvore enorme caiu em cima dela, aumentando a fogueira em sua volta, deixando a pobre preguiça ilhada de vez.
   Observando a tudo isto a Coruja pirou de vez, sem outra escolha, saiu em voo certeiro em direção à preguiça puxando-a para tentar salvá-la, nesta tentativa um pouco bem-sucedida, a coruja já em uma certa altura começou a fraquejar e não aguentou o peso; caindo em queda livre.
   O beija-flor querendo confirmar sua fama de herói se aproximou para ajudar a pegar a Preguiça e sem resistir ao tremendo peso acabou quebrando uma de suas patas e abandonou os dois animais, que ficaram mais desesperados ainda com a indiferença do beija-flor, que voltou rapidinho para sua caverna de onde só sairia no outro dia. Com esta patife ajuda, o beija-flor acabou atrapalhando tudo, pois em quase nada ajudaria sua insignificante força.
   Não havendo mais o que ser feito a brava Coruja usou de toda força, ou melhor, do pouco que ainda lhe restara, e lançou a preguiça para dentro do rio, logo depois, desmoronou no fogo ardente e morreu queimada.
   A preguiça saiu viva, porém, horrorizada com a infantilidade do beija-flor que, como já foi dito, acabou com uma pata quebrada. E nunca contou tudo o que tinha ocorrido durante aquele incêndio, até hoje, claro.
   Na mesma noite veio uma chuva muito forte, choveu praticamente a madrugada inteira, era tanta água que apagou todo o incêndio da floresta em fração de minutos.
   No outro dia, pela manhã, todos os animais acompanharam o fim da tragédia e fizeram do beija-flor um herói, mas para a Preguiça que ficou viva e viu de fato que o beija-flor nada fez – sequer a parte dele – heroína mesmo foi a corajosa e destemida coruja!  E o beija-flor que colocou a vida de tantos animais em risco com sua irresponsável e inconsequente conduta saiu de pata quebrada e eterno peso na consciência, escondido atrás daquele seu sorriso sínico.

   Moral da história: É melhor morrer de pé do que viver ajoelhado.

   MARCO LUIS BRITO MIONI